A “desobediência inteligente” num cão-guia

Por Helder Mestre

Os cães-guia frequentam a escola dois anos para aprender a cumprir cerca de 25 ordens. Quer isto dizer, que são treinados para obedecer. No entanto, e, paradoxalmente, a qualidade mais valiosa que um cão-guia pode ter é a inteligência para saber desobedecer em situações em que os seus utilizadores lhe dão ordens/comandos errados. Esta capacidade extraordinária em que fogem ao reflexo condicionado pavloviano, denomina-se “desobediência inteligente”. Poucos possuem o discernimento para saber desobedecer na hora H, ou seja, em momentos críticos, a fim de salvar os seus utilizadores cegos de um perigo iminente.

Estes seres luminosos aprendem a desviar o cego dos obstáculos. Sabem o que é a esquerda e a direita; sabem voltar para trás para a direita e para a esquerda; sabem descer as escadas como ninguém, parando no princípio dos degraus e não deixando avançar o cego; sabem encontrar uma passadeira; sabem o que é um passeio; sabem localizar uma caixa multibanco; sabem encontrar uma farmácia (pelo cheiro característico das mesmas) etc.

O Uolly é um cão-guia que tem esta capacidade. Descobri este facto em alguns casos que narrarei, seguidamente. Certa vez, em Sines, a minha terra e onde vivo, estava na Avenida General Humberto Delgado, numa passadeira transversal à entrada de uma pastelaria, devido a uma grande ventania, ouvia-se muito mal. Disse ao Uolly para ele buscar linhas (buscar linhas significa encontrar uma passadeira) à direita e avançar e ele não obedeceu. Deitou-se ao comprido no passeio e não avançou. E porque não obedeceu e não avançou? Obtive a resposta, quando passou, mesmo junto a mim, uma moto a alta velocidade! Noutra situação, no Largo dos Penedos, quando íamos entrar na Rua Miguel Bombarda, aquela que vai dar à Igreja Matriz de Sines, junto ao castelo, pedi ao Uolly: «Uolly, vá, busca rua, em frente!», o Uolly, em vez de entrar nessa rua, desviou-se para a direita levando-me para trás da parede e deitando-se, impediu-me de avançar. E eu insistia: «Então, Uolly?! Não avanças porquê?!» Rapidamente, tive a resposta, quando nos apareceu um carro em sentido contrário, vindo de baixo para cima, em direção ao Largo dos Penedos! Também havia muito vento, o que prejudica bastante a audição de um indivíduo cego, mas o cão com um ouvido sublime, conseguiu ouvir o carro ainda no princípio da rua e já não avançou! Ou seja, isto sucedeu, mesmo não conseguindo ver o carro, devido ao seu baixo campo de gravidade (baixa estatura) e consequente pequeno campo visual.

Fotografia: dupla Helder Mestre/Uolly.

Uolly: é um cão-guia, labrador preto, nascido em abril de 2012; fez a sua formação, ao longo de dois anos, numa escola de cães-guia, com o educador V. C.; esteve em Coimbra, com uma família de acolhimento, onde ficou durante os fins de semana, e onde aprendeu as primeiras formas de socialização.

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