O estigma: quando deixas de ter o teu nome para ter o nome da deficiência

Por Helder Mestre

Quando é que o adjetivo passa a ser o substantivo? Quando deixas de ter o teu nome próprio e passas a ser o nome da tua deficiência. “Olha o cego; olha o coxo, olha o surdo, etc. ”O Helder é cego ou o cego é o Helder?  Porventura, é na cegueira que isto acontece com mais força. Um cego de bengala branca é um estigma e um estereótipo incomparáveis. No meu caso, não necessitava de comprovar isso, mas basta sair à rua de bengala ou com o Uolly (cão-guia) para perceber essa crua realidade. Quando ando de bengala é recorrente ouvir: “Olha, o cego! Coitadinho! É a vida!” Já quando ando com o cão, passa ele a ser o centro das atenções e ouço: “Olha, é o cão que o guia! O cão leva-o a todo o lado! Este animal vale mais que muitas pessoas!”… Ouço também as mães a explicarem, aqui, de maneira pedagógica, às suas crianças a minha situação e as virtudes do cão. Uma coisa que os ditos “normovisuais” fazem frequentemente é esquecerem-se que os cegos ouvem bem (há exceções), fazendo os comentários mais inapropriados acerca da deficiência. Como o cego deve reagir quando isto acontece? Eu tenho duas abordagens. O tom de voz quase sempre denuncia a intenção de quem profere o comentário infeliz. Quando percebo que esse comentário não tem intenção de apoucar, tolero e finjo que não ouvi, ou até tenho uma atitude pedagógica. Quando percebo que o comentário vem de um indivíduo preconceituoso ou partidário de uma qualquer ideologia eugenista, com intenção de magoar, reajo de forma diferente. É devido a este estigma que as pessoas com deficiência carregam, que muitas não saem à rua. Para suplantar esta situação, há que criar um grande arcaboiço psicológico. É óbvio que esta capacidade não surge logo. De facto,  o tempo e as experiências dão-nos as ferramentas para fazer das dificuldades oportunidades. É importante contactar com pessoas nas mesmas circunstâncias e compreender que não é o fim do mundo, é sim um mundo diferente. Posto isto, concluo, que o Helder é cego, mas o cego não é o Helder. O Helder é muito mais que essa característica. E muito pouco veem aqueles que só conseguem ver que o Helder é apenas cego… E o cego sou eu?… E quantas vezes utilizei eu, neste texto, o eufemismo “invisual”? Invisual é uma forma de amortecer a carga negativa que a palavra cego carrega desde tempos imemoráveis. Quando a pessoa já não tem qualquer problema com o seu estado de cegueira, até sorri, se as pessoas utilizam esse termo para designar o seu handicap. Ironicamente, já agora, não conheço nenhum “ináudio”…

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